Resumo: Onze imagens históricas comentadas para complementar sua aula sobre a Primeira Guerra Mundial. Documentos iconográficos são recursos valiosos para análise e explanação em sala de aula, geralmente capturando mais a atenção dos alunos do que apenas um texto ou uma exposição oral. Você pode incorporá-las em slides, materiais próprios ou sugerir que os alunos leiam diretamente no site.
1. Cartaz “A Entente Cordial” (1915)
Esta é uma peça de propaganda anti-britânica criada pelos alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Nela, a Grã-Bretanha é retratada como uma aranha sanguinária, tecendo sua teia sobre vários territórios na Europa e no mundo. Suas patas se estendem sobre o Egito, a Turquia, a Ilha de Malta, Gibraltar, além das bandeiras da Noruega e da Holanda. Em contraste, a Alemanha é representada como uma águia que observa altivamente as ações da aranha.
Vale a pena notar alguns detalhes adicionais. Observe que a “Aranha Britânica” está devorando um boneco em Calais, região situada no norte da França. Essa escolha não foi aleatória, pois o pôster visava enfraquecer o apoio francês à Entente Cordiale e à Grã-Bretanha. Para tanto, sugeria que os britânicos tinham a intenção de anexar o território francês, que pertenceu à Inglaterra por mais de duzentos anos entre os séculos XIV e XVI.
Além disso, ao fundo, os Estados Unidos e o México também são representados como territórios “enredados” na influência britânica, com a presença de um Tio Sam e um personagem com sombreiro. É importante notar que o México vivia o contexto da Revolução Mexicana, sugerindo uma possível interferência britânica nesse episódio. Um personagem referente à índia também é apresentado ao fundo preso nas teias da Grã-Bretanha.
2. Panfleto da “Federação dos Soldados Judeus da Linha de Frente do Reich” (1920)
O panfleto foi produzido após a Primeira Guerra Mundial e homenageia a memória de 12 mil soldados judeus que morreram em combate pela Alemanha na Primeira Guerra Mundial.
Numa livre tradução, a mensagem em português seria:
“Às mães alemãs! 12.000 soldados judeus morreram no campo de honra pela pátria. Heróis cristãos e judeus lutaram juntos e repousam juntos em solo estrangeiro. 12.000 judeus caíram em batalha! O ódio partidário cego e enfurecido não respeita os túmulos dos mortos. Mulheres alemãs, não permitam que a sofrida mãe judia seja zombada em sua dor! A Associação do Reich de Veteranos Judeus Combatentes”
Portanto, esse documento testemunha o forte antissemitismo no país no contexto do entreguerras, e apela ao nacionalismo dos Alemães para superação desse discurso de ódio. Afinal, conforme apresenta o panfleto, durante a Primeira Guerra Mundial, judeus e cristãos lutaram lado a lado na defesa dos interesses alemães contra a Tríplice Entente. No entanto, os esforços da associação em questão não foram suficientes, tendo em vista o crescimento do Partido Nazista e sua tomada do poder na década de 1930.
Como curiosidade adicional, vale lembrar que o próprio pai de Anne Frank era um judeu e veterano alemão da Primeira Guerra Mundial. Segundo consta, quando foi descoberto e preso em seu esconderijo, o oficial alemão teria notado em seus pertences as honrarias referentes ao seu período no exército, que inclusive eram hierarquicamente superiores aos soldados que o prendiam. Inclusive, tais soldados teriam perguntado por que Otto Frank não se registrou como um judeu veterano de guerra, já que teria direitos ligeiramente melhores que o restante dos judeus, condenados à Auschwitz.
3.“Não me faça rir!” (1918)
A charge apresenta um soldado norte-americano rindo das queixas de um alemão, este retratado de forma bastante caricata. Na cena, o alemão reclama que o uso de espingardas curtas pelos americanos seria “a prática mais bárbara” que ele já ouviu falar. No entanto, suas mãos estão sujas de sangue, e ele está carregando elementos relativos às práticas bárbaras cometidas pelos soldados alemães, como o uso de “gás venenoso”, “lança-chamas” e “gás mostarda”, além de ter feito “assassinato de crianças e mulheres”, “atrocidades na Bélgica” e “incêndios”. Em resposta, o soldado americano ironicamente diz “Não faça-me rir”, ao lado de um pequeno ursinho de pelúcia, símbolo comumente utilizado pelo chargista em suas obras.
Essa imagem aborda as reclamações da Alemanha sobre o uso de espingardas curtas pelos soldados norte-americanos durante a Guerra. Argumentava-se que a espingarda era uma arma desnecessariamente cruel e causava dores injustificadas aos soldados inimigos, sendo seu uso desencorajado. Os americanos, por sua vez, recusaram-se a abrir mão dessa arma, alegando que os alemães também violavam normas éticas ao usar lança-chamas e baionetas com serras. Como resposta, os alemães ameaçavam punições mais severas para os prisioneiros de guerra americanos capturados com espingardas, e os americanos anunciaram reciprocidade para soldados alemães com os armamentos mencionados.
Essa imagem ilustra o rápido desenvolvimento de armamentos próximo à Primeira Guerra Mundial, evidenciando os custos humanos para soldados e civis. Além disso, ilustra a tentativa de regulamentar a guerra e enquadrá-la em padrões considerados “humanitários”, apesar das limitações diante dos interesses em jogo.
4. “A Declaração de Guerra” (Der Kriegsausbruch), por Max Beckmann (1914).
Neste desenho realizado com ponta seca, o artista alemão Max Beckmann (1884-1950), então com 30 anos, captura o momento em que um grupo de pessoas toma conhecimento, por meio dos jornais, de uma das declarações de guerra entre os países da Primeira Guerra Mundial.
Durante o processo de desenho, Beckmann teria enfrentado a indignação de um compatriota alemão, que o encarou furioso e questionou: “Por que você não está celebrando como todo o mundo?”. Outra pessoa teria acrescentado: “Como você pode desenhar em um dia como este?”. Beckmann, crítico em relação ao conflito, teria respondido: “Esta é a maior das catástrofes nacionais”, uma declaração que quase resultou em um linchamento.
Portanto, este desenho e sua história exemplificam a intensa rivalidade e o clima beligerante que assolavam os países europeus no início da guerra.
5.Britânicos formando fila para se alistar voluntariamente na Primeira Guerra Mundial (1914).
A imagem revela uma extensa fila de britânicos prontos para se voluntariar no combate durante a Primeira Guerra Mundial. Nem mesmo a garoa e o frio foram capazes de deter essa mobilização espontânea da população. O apoio ao conflito foi tão abrangente que o Reino Unido só implementou o alistamento compulsório de seus cidadãos em 1916, após dois anos de guerra. A cena destaca a intensidade do respaldo da população à guerra, alimentada pelo nacionalismo difundido, pelo impacto da propaganda e pela acirrada rivalidade construída com os alemães e seus aliados.
6. O batalhão dos Ciclistas (1914).
As imagens dizem respeito ao batalhão britânico de soldados ciclistas na Primeira Guerra Mundial. O panfleto pode ser traduzido como:
“Você é apaixonado por ciclismo? Se sim, por que não pedalar para o rei? Precisa-se de recrutas. (…) É preciso ter 19 anos e disposto a servir no exterior. Bicicletas serão fornecidas. Uniforme e roupas dadas no alistamento. Inscrições em pessoa ou por carta no Batalhão de Ciclistas, Gloucester”.
Por outro lado, a expressão “Bad Teeth No Bar” é um jargão difícil de traduzir precisamente, mas indicava que aqueles com problemas de saúde dental não seriam aceitos no batalhão. Afinal, lidar com uma bicicleta, uma arma e ainda estar afligido por uma dor de dente não seria uma tarefa fácil.
Embora pareceça inusitado utilizar bicicleta numa guerra nos dias atuais, os ciclistas desempenharam um papel militar importante naquele contexto. Os oficiais da época reconheceram que, para as funções de reconhecimento e comunicação, a bicicleta era um meio de transporte mais prático e silencioso do que o cavalo. No entanto, com a difusão das trincheiras nas frentes de batalha, as bicicletas ficaram menos eficazes e foram gradativamente alocadas para funções como a vigilância e defesa nas áreas costeiras da Grã-Bretanha.
7. A Trégua de Natal de 1914 (1915).
A ilustração acima, publicada em um periódico londrino em 1915, retrata a lendária “Trégua de Natal” de 1914. Esse evento ocorreu de maneira não oficial e improvisada em vários pontos da frente de batalha disputados por tropas alemãs e inglesas, que espontaneamente interromperam as hostilidades para celebrar o Natal. Ao perceberem a comemoração ocorrendo também outro lado das trincheiras, soldados alemães e ingleses resolveram interagir amistosamente, se cumprimentando e até mesmo trocando presentes e improvisando uma partida de futebol.
Entretanto, é importante ressaltar que a trégua não encerrou completamente a guerra naquele natal. Nos fronts orientais, os combates entre a Tríplice Aliança e os russos persistiram, assim como nos locais de confronto entre as tropas francesas e alemãs.
8. Prisioneiros de Batalha na Alemanha (1917)
A foto acima foi digitalmente colorida e retrata oito prisioneiros de guerra capturados pelas forças alemãs. Ela é altamente simbólica e emblemática do caráter global da guerra, uma vez que os soldados representados vêm de regiões diversas do planeta. Conforme relatado no periódico “The Atlantic”, da esquerda para a direita, a imagem incluiria um soldado vietnamita, um tunisiano, um senegalês, um sudanês, um russo, um americano e outro português.
É importante ressaltar que, na época, países como Vietnã, Tunísia, Senegal e Sudão não eram independentes e faziam parte dos impérios europeus. Mesmo assim, a imagem também serve como um lembrete da significativa mobilização das populações desses territórios afro-asiáticos no conflito. Esse fenômeno representa um exercício essencial para contestar a narrativa eurocêntrica, que apresenta a Primeira Guerra Mundial como um evento caracterizado pela mobilização quase exclusiva das nações europeias e, posteriormente, norte-americanas.
9. Mulheres recrutadas para a Guerra (1917)
As mulheres também desempenharam papéis de suma importância na Primeira Guerra Mundial. Muitas voluntariaram-se para o conflito e foram designadas para funções logísticas fundamentais ao longo da guerra, como enfermagem, comunicações ou mesmo na construção civil. Na foto em questão, um grupo de mulheres britânicas do “Corpo Auxiliar do Exército da Rainha Maria” está envolvido na construção e reparo de tendas em um acampamento militar. Frequentemente negligenciado ou ignorado, resgatar a história e o protagonismo das mulheres em diversos episódios é sempre um exercício de suma importância para pesquisadores, educadores e estudantes de história! (E também para os autores de blogs 😊!)
10. Soldados Russos e Alemães dançam em comemoração ao Tratado de Brest Litovsk (1917)
O Tratado de Brest-Litovsk (1917) formalizou a retirada do Império Russo da Primeira Guerra Mundial. Nesta imagem, é evidente como a notícia foi calorosamente recebida pelos soldados de ambos os lados do conflito, levando-os a dançar juntos em comemoração ao evento.
Vale ressaltar que a Rússia passou por um processo revolucionário em 1917, diretamente ligado às dificuldades impostas pela Primeira Guerra Mundial. Em fevereiro, uma primeira Revolução enfraqueceu o regime autocrático do Czar, mas não resultou imediatamente na retirada da Rússia do conflito.
Entretanto, em outubro do mesmo ano, os bolcheviques iniciaram um novo processo revolucionário que levou Lênin ao poder. Conhecido por sua oposição ao conflito, Lênin e sua equipe conduziram a retirada da Rússia da guerra, reconhecida pela Alemanha no mencionado tratado.
11. População da Filadélfia observa um cartaz com o “novo” mapa da Europa (1918)
Na última imagem, é possível observar um grupo de pessoas analisando as alterações ocorridas no mapa político europeu após o fim da Primeira Guerra Mundial. Como sabemos, o término do conflito resultou em mudanças significativas no continente, como, por exemplo, a dissolução do Império Austro-Húngaro, a formação da Iugoslávia, a queda do Império Turco-Otomano e a independência dos países Bálticos.
Vale também destacar que o início do século XX foi marcado por um grande fluxo de imigrantes europeus para os Estados Unidos, muitos dos quais fugiam das batalhas em curso. Assim, diversos indivíduos que aparecem na foto provavelmente são ex-residentes dos países afetados. Isso revela outra dimensão “mundial” da guerra: embora possam estar distantes das zonas de combate, muitos habitantes da América, incluindo do Brasil, mantinham parentescos, laços afetivos e memórias vividas dos cenários de batalha. Dessa forma, as notícias, os fenômenos e os desdobramentos da guerra frequentemente impactavam o ânimo de grande parte da população deste lado do Atlântico.
Referência das Imagens:
- Library of Congress: https://www.loc.gov/item/99613651/
- Wikicommons: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:1920_poster_12000_Jewish_soldiers_KIA_for_the_fatherland.jpg
- Charge de Clifford Berryman, publicada no Washington Star. A imagem digitalizada foi recuperada através do Forum do Reddit, publicada em https://www.reddit.com/r/HistoryMemes/comments/frgobv/wwi_shotgun_meme_usa_c_1918/.
- https://pt.artsdot.com/@@/8LSVT8-Max-Beckmann-Declara%C3%A7%C3%A3o-de-Guerra
- https://iln.org.uk/iln_years/year/1914%20ww1.htm
- Wikicommons: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Are_You_Fond_of_Cycling%3F_Art.IWMPST4893.jpg
- Gale International: https://review.gale.com/2017/04/20/newspaper-coverage-from-the-christmas-truce-1914/
- https://www.theatlantic.com/photo/2014/04/world-war-i-in-photos-soldiers-and-civilians/507329/. A versão colorizada foi publicada no Reddit.
- https://www.theatlantic.com/photo/2014/04/world-war-i-in-photos-soldiers-and-civilians/507329/
- http://www.pourceuxde14.com/pages/russe-le-courage/a-l-est.html
- Wikicommons: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Philadelphians_looking_at_new_map_of_Europe_after_WWI.jpg