- O texto foi elaborado a partir da leitura do artigo "Entre convenções e Discretas Ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil", de Ana Paula Simioni, e "Os arquitetos da Independência: O Conselho de Estado e a construção de um estado nacional brasileiro (1822-1834)", de Walter Guandalini Jr. e Ricardo Fonseca. ↩︎
Resumo: Análise e proposta de aula sobre a obra “Sessão do Conselho de Estado” (1922), de Georgina de Alburquerque, que trata da Independência do Brasil. A atividade propõe um estudo detalhado sobre a obra, no qual os estudantes precisam pesquisar informações sobre o quadro, a artista e a Independência do Brasil para associar corretamente as frases com elementos destacados da pintura.
Habilidades: EF08HI12
Introdução
Ao imaginarmos um retrato da Independência do Brasil, é inevitável lembrarmos da icônica obra “Independência ou Morte” de Pedro Américo.
Muito presente em materiais didáticos, redes sociais e na grande mídia, a obra de Américo tornou-se uma espécie de imagem oficial desse momento na memória coletiva sobre nosso passado.
No entanto, como qualquer outra obra, sabemos que ela é somente uma representação desse evento, repleta de valores do artista e da época em que foi produzida.
Com o objetivo de explorar uma perspectiva alternativa desse evento histórico, desenvolvemos esta atividade que se concentra numa obra produzida por um olhar feminino, isto é, a obra “Sessão do Conselho de Estado” de Georgina de Albuquerque.
Este quadro faz parte do acervo do Museu Histórico Nacional, adquirido pelo Estado por meio de um concurso oficial realizado em comemoração ao Centenário da Independência. A pintura se destaca por sua inovação em diversos aspectos, que serão abordados no texto abaixo.
Além disso, apresentamos uma atividade para ser aplicada em sala de aula, inspirada em um formato comum na Olimpíada de História do Brasil. Nela, os alunos serão desafiados a relacionar detalhes da obra com frases predefinidas sobre o quadro.
Para isso, eles realizarão uma pesquisa para identificar quais informações estão historicamente corretas e quais estão incorretas. Em seguida, devem associar as informações corretas aos detalhes presentes na pintura. Gostamos dessa proposta , pois ela proporciona uma leitura mais lenta, profunda e detalhada da obra.
Georgina de Albuquerque e o gênero das Pinturas Históricas
A presença de Georgina de Albuquerque entre os artistas consagrados da pintura histórica é um feito muito significativo e transgressor à época.
Afinal, especialmente na segunda metade do século XIX, esse campo artístico desfrutava de grande importância na sociedade brasileira, beneficiando-se dos generosos concursos promovidos pelo Estado, bem como da garantia de exposição das obras vencedoras em museus e espaços públicos de destaque.
O patrocínio estatal nas artes tinha como intuito forjar uma identidade histórica nacional, construindo um repertório visual que perpetuasse o nome e a imagem dos principais protagonistas da história brasileira. Isso fazia parte de um esforço para fomentar uma suposta identidade e memória comum a todos os brasileiros, projeto político abraçado pelo Império Brasileiro.
No entanto, esse campo da pintura era uma área reservada aos homens, especialmente no Brasil. Isso ocorria em parte porque, durante o Segundo Reinado, as mulheres eram formalmente proibidas de frequentar cursos superiores, uma situação que só foi revertida por uma lei promulgada em 1879. Mesmo após a promulgação dessa lei, levou décadas para que as mulheres ousassem ingressar nesses espaços tradicionalmente vistos como masculinos e conquistassem o reconhecimento necessário em concursos da época.
Optar pela carreira nesse campo artístico também era uma ousadia da ordem pessoal, já que tal escolha seria recebida com desconfiança e reprovação em uma sociedade que limitava o papel das mulheres ao ambiente doméstico. Mesmo quando artistas, esperava-se da mulher uma dedicação à pintura de ornamentos, no máximo ao retratos de família e indivíduos, mas nunca o espaço máximo da arte histórica.
Ambicionar o domínio deste campo de expressão mais proeminente, destinado à exibição pública, era uma ação disruptiva em relação aos papéis tradicionalmente atribuídos às mulheres na época e certamente teria seu preço.
Portanto, ter alcançado sucesso nesse campo representava mais do que um triunfo individual de Georgina: representava uma quebra dos padrões patriarcais e machistas estabelecidos.
A Obra "Sessão do Conselho de Estado"
Quanto ao conteúdo do quadro, um elemento inovador da obra é o protagonismo feminino retratado nessa comemoração da Independência.
Mais do que apenas optar por um personagem alternativo no panteão de heróis nacionais, a escolha de uma protagonista mulher rompia com antigas tradições do gênero histórico. Afinal, ainda no auge do neoclassicismo francês, que exercia grande influência na escola brasileira, a arte histórica tradicionalmente associava o heroísmo pátrio à figura e à representação do corpo masculino, atribuindo-os valores inatos de coragem, virilidade e força. Isso é evidente mesmo em obras brasileiras, como o protagonismo de Pedro I em “Independência ou Morte”, no General Osório na “Batalha do Riachuelo” ou a proeminência de André Vidal de Negreiros, mestre de campo, na “Batalha dos Guararapes”.
Por sua vez, Georgina de Albuquerque desafia essa convenção ao escolher retratar não somente homens em ações militares, mas sim uma figura feminina para a comemoração da Independência. Ela destaca a liderança da Imperatriz Leopoldina durante a reunião do Conselho de Estado, um episódio que teria concebido a própria decisão de emancipar o Brasil de Portugal.
Para a artista, embora Leopoldina não estivesse presente no “grito” do Ipiranga, seu papel não teria sido menos importante. Pelo contrário: ela foi a protagonista na construção intelectual e diplomática da Independência. De certa forma, ela representava historicamente uma postura que Georgina entendia como ideais da virtude feminina: a força intelectual, a erudição e a complexa capacidade de diplomacia.
No que diz respeito ao estilo, a obra apresenta características típicas do impressionismo, como pinceladas fortes e pouco definidas, além da escolha de cores vibrantes, como o verde e o laranja. No entanto, também incorpora elementos do neoclassicismo e do gênero acadêmico, como a temática histórica e a representação bem desenhada dos rostos das figuras históricas.
Nas palavras da historiadora Ana Paula Simioni, o trabalho de Georgina mescla elementos “ousados” e “conservadores” em sua concepção, o que permitiu a pintora conquistar um lugar distinto entre os representantes oficiais da memória brasileira por meio da pintura.
Atividade para trabalhar a obra em sala de aula
Para realizar esta atividade, é necessário dividir os alunos em grupos de dois ou três e apresentar a imagem com os detalhes destacados.
Você pode projetá-la na parede da sala de aula, compartilhar o link para que eles acessem em seus celulares ou até mesmo imprimir a imagem para distribuir entre os estudantes.
A seguir, explique que a tarefa deles é associar cada um dos dez itens destacados no quadro com uma das quinze frases sobre a pintura. Cinco das frases contêm informações incorretas, devendo ser descartadas.
Para determinar quais estão incorretas e quais associações são as mais apropriadas, os alunos precisarão examinar a pintura cuidadosamente e realizar pesquisas na internet. Ao término da atividade, será feita a correção das associações e a identificação dos erros presentes nas frases remanescentes.
Consideramos esta atividade enriquecedora, pois requer uma postura ativa por parte dos estudantes e por estimular uma observação minuciosa da obra de Georgina.
Em uma era em que somos inundados por inúmeras imagens todos os dias, é fundamental praticar um olhar mais atento e indagador diante de uma obra de arte. Afinal, essas obras estão repletas de mensagens, simbolismos e alegorias que escapam a uma análise superficial e apressada, tão característica do nosso ritmo de vida contemporâneo. Aprender a decifrar uma imagem significa, também, aprender história, e essa é a habilidade que desejamos cultivar aqui.
Notas:
O texto foi elaborado a partir da leitura do artigo “Entre convenções e Discretas Ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil”, de Ana Paula Simioni, e “Os arquitetos da Independência: O Conselho de Estado e a construção de um estado nacional brasileiro (1822-1834)”, de Walter Guandalini Jr. e Ricardo Fonseca